domingo, 7 de abril de 2013

Objeto 2


Fiquei cego.
Geralmente quando alguém começa a perder a visão
e precisar de óculos para ler é porque chegou aos 40 anos.
Não é o meu caso.
Não tenho nem 20 anos e já não vejo nada.
Nenhum óculos pode me salvar.
Antes quando minha visão era afiada e precisa,
eu cortava a unha da família. 
Hoje eu me aposentei.
Parei de trabalhar.
Fui substituído por outro com boa visão.
Que outra utilidade eu poderia ter?
Um peso de papel?
Não. Sou leve demais.
Um prendedor de cabelo?
Impossível. 
Não sou inoxidavel.
A ferrugem já corrói meu corpo e minha mente.
Tenho boas lembraças da família.
Daqueles que ainda têm unha que cresce.
Mas, que já não podem mais contar/cortar comigo.
Virei um ponto de referência.
Meu nome é: "esse não, tá cego. Pegue o outro."
Sinto que mais cedo ou mais tarde vou parar na lixeira.
Como estou cego, nem vou ver a diferença.
É o meu fim.



Simone Vieira Resende

Histórias da vida real: oficina de memórias
Estação das letras

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