segunda-feira, 15 de abril de 2013

Domingo na praia


Mais um fim de semana de sol.
A rotina era a mesma de todos os domingos.
Fazer um barulho na casa para acordar o pai e a mãe.
Ficar espiando até eles se levantarem,
já de biquini, é claro.
Perguntar de sopetão: 
- A gente vai a praia agora?
- Calma, Marcela! Vamos esperar seu irmão tomar café.
- Mas, pai. Ele pode ir comendo o pão pela rua. Eu e a Mônica já estamos prontas.
E estavam mesmo.
As duas de biquini.
Cada uma puxando uma toalha. Havaianas nos pés.
- Podemos ir agora?
A mamãe vai mais tarde. Ela gosta de adiantar o almoço.
- Anda, pai! Vamos descer!
E lá ia o pai com os três pulando em volta dele no elevador.
Ainda não tinham de se lambuzar de protetor solar.
Não precisavam de brinquedos.
Era só areia e castelinhos.
O pai levava uma cadeira e o jornal de domingo.
Ficava de olho nos três e gritava para o Pedro:
- Cuide de suas irmãs!
- Meninas, deem a mão pro Pedro!
Era o domingo perfeito.
A praia de Copacabana.
Nosso quintal de casa.



Simone Vieira Resende

Foto de família.
Histórias da vida real: oficina de memórias.
Estação das Letras




segunda-feira, 8 de abril de 2013

Objeto


Eu moro numa caixa de plático transparente.
Toda semana saio de casa para trabalhar,
trabalho árduo, contínuo e pesado.

Evito que plantações de alface e couve cresçam 
descontroladamente pelos campos de unha.
Raramente saio do banheiro.

Mas, hoje se procurarem por mim não vão me encontrar.
Estou de férias.
Saí da rotina e do aperto.
Nada mais de pular de dedo em dedo, 
cortando um pedaço aqui e outro ali.

Às vezes penso: Por que ainda não inventaram outro jeito de fazer isso?
Talvez as crianças do futuro já vão nascer de unhas curtas.
Não vão mais precisar de mim.

Seria isso uma evolução da espécie?
Espécie sem unha.
Mas, que diabos é uma unha e por que cresce tão rápido?
Não sei. Ninguém nunca me contou.

Não deve ser coisa boa.
Tem sempre de ser cortada e depois lixada.
Eu conheço a lixa. 
Às vezes, ela fica comigo aqui na caixa.

Conversamos horas sobre a vida alheia.
Falamos da dificuldade que é trabalhar quando tem aquele esmalte
vermelho na unha ou aquela base transparente que nos pega de surpresa.

Não é uma vida solitária.
A pinça também fica na caixa com a gente.
Puxa pelo, mas conversa que é bom, nada!

Mas, voltando à evoluçào da espécie.
Será mesmo que vou perder minha utilidade e
ficar esquecido no canto do banheiro?
Duvido.
Vai ter sempre um pé por aí precisando dos meus cuidados.




Simone Vieira Resende

História da vida real: oficina de memórias.
Estação das letras

domingo, 7 de abril de 2013

Objeto 2


Fiquei cego.
Geralmente quando alguém começa a perder a visão
e precisar de óculos para ler é porque chegou aos 40 anos.
Não é o meu caso.
Não tenho nem 20 anos e já não vejo nada.
Nenhum óculos pode me salvar.
Antes quando minha visão era afiada e precisa,
eu cortava a unha da família. 
Hoje eu me aposentei.
Parei de trabalhar.
Fui substituído por outro com boa visão.
Que outra utilidade eu poderia ter?
Um peso de papel?
Não. Sou leve demais.
Um prendedor de cabelo?
Impossível. 
Não sou inoxidavel.
A ferrugem já corrói meu corpo e minha mente.
Tenho boas lembraças da família.
Daqueles que ainda têm unha que cresce.
Mas, que já não podem mais contar/cortar comigo.
Virei um ponto de referência.
Meu nome é: "esse não, tá cego. Pegue o outro."
Sinto que mais cedo ou mais tarde vou parar na lixeira.
Como estou cego, nem vou ver a diferença.
É o meu fim.



Simone Vieira Resende

Histórias da vida real: oficina de memórias
Estação das letras

segunda-feira, 1 de abril de 2013

A festa


Sim, adoro fazer aniversário.




Minha festa está incrível.
Todas as minhas amigas estão preentes.
Até a Ana apareceu.
levou um caderno lindo, do tipo caderno do Augusto.
A Marcia está chamando muita atenção com seu vestido curto e salto alto.
Na mão, um embrulho pequeno.
Um par de brincos em formato de flor.
Lindo.
A lista de presentes cresce a cada minuto.
Um cope de vinho aqui, uma caipirinha ali.
Eu cheia de mimos.
Um chapéu de chuva com bolinhas, 
um cordão com pingente da árvore da vida.
Uma bolsa amarela.
Ah! Como é bom ser querida.
O melhor de todos os presentes e certamente a amizade cultivada.


Simone Vieira Resende

Histórias da vida real: oficina de memórias com Ana Letícia Leal.

Estação das letras